sexta-feira, 6 de novembro de 2009

de que rio na guerra?

o que segue é um relato/desabafo de um morador do Complexo do Alemão, que escreve e se inscreve no calor das balas que nem sempre são perdidas... para ler, compreender e transformar a realidade brasileira...



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Gente,
Escrevo abaixo um novo desabafo. Está fresquinho...enquanto digito o coro está comendo aqui.
Caveirão invade, às 10h30, o Complexo do Alemão, mais precisamente a favela de Nova Brasília. Depois de uma avalanche de presságios na Imprensa de “referência” do Rio de Janeiro onde as notícias centrais eram sobre a fala do secretario de segurança pública Mariano Beltrame de que o Rio não é violento, a polícia para responder as “críticas” dos jornalões resolve fazer uma incursão no Complexo do Alemão às 10h30 da manhã. Uma multidão de gente na rua, crianças vindo e indo para as escolas, comércios locais cheios de clientes etc. Começou o surdunço, neste exato momento da minha casa ouço vários tiros, muitos tiros, a bala tá comendo... depois disso vem o que todos já sabem, ou seja, notícia de que uma bala “perdida” matou uma pessoa inocente e que o tiro saiu da arma supostos traficantes, além de toda uma legitimação da morte de uma monte de gente de um lado e de outro a sentença, o juízo e a cretinice. Qual o resultado prático de mais um operação “pacífica”? Qual o propósito disso?
O Complexo do Alemão estava em paz (um período razoável), porém uma paz ameaçada de pelos quatro cantos, uma paz estranha, mas para que paz se o estado é beligerante? O que me incomoda nesta história é que ela se repete com freqüência. É só os jornalões investirem na máxima: A cidade do Rio está um caos, violenta, por exemplo, que tudo recomeça, aliás, são eles que investem constantemente e fazem da violência uma forma de manter a “paz” e mais do que isso uma forma de aquecer a economia de seguros de automóveis, sistemas de segurança etc., e reduzir a vida a Shopping Center. Daí a necessidade dessa contradição. Sugiro vocês acompanharem o que os jornalões noticiaram hoje e noticiarão amanhã.
A desfaçatez e o torpor de todos os que legitimam tais ações me dá nojo.
Preciso externar minha cólera contra tudo e todos que acreditam que a favela é o problema por excelência da sociedade civilizada. Peço desculpas àqueles que, “inconscientemente”, fazem seus discursos movido pela paixão doentia de uma paz quase metafísica, por conseguinte de uma vida mais tranqüila e feliz amparado nos discursos midiáticos. Nos últimos dias tem-me batido uma extrema revolta devido aos discursos, diálogos, papos que estou envolvido direta ou indiretamente. Uma revolta que se justifica, a meu ver, pela insistência em que tais falas não cessam de justificar a violência (retida estritamente a arma de fogo), os assaltos que vivemos na cidade do Rio de Janeiro. A favela e os favelados são a causa dessa barbárie. Bom, pelo menos pensam e agem assim os cidadãos de classe média e todos aqueles que reproduzem o discurso oficial que a favela e adjacências são um perigo constante.
O tempo todo ouço dizer que onde eu moro é perigoso, que o percentual de assaltos, assassinatos e todo tipo de degeneração social é elevadíssimo. Isso é irritante e confesso que cheguei ao meu limite. Quem gosta de mim, por favor, me poupe de comentários do tipo que mencionei acima. Já não suporto ver e ouvir amigos próximos que cresceram comigo e conseguiram a custa de muito esforço “mudar de vida”. Hoje. boa parte desses amigos, pertencem a outra “classe” social e de lá com seus binóculos costumam olhar para a favela quando lhe sobram tempo lêem um bom jornal e ou assistem TV informando de maneira imparcial e com base em pesquisas fidedignas que a favela é um problema para a sociedade. Esses amigos vivem dizendo que não podem me dar carona em seus carros com medo de serem roubados. Esses amigos olham para a favela e dizem que é um lugar feio de gente feia, pobre sem educação.
Ontem comemoramos o dia da favela com um evento com inúmeras manifestações culturais como dança, capoeira, música, teatro, artesanato, audiovisual etc., tudo feito e realizado pela favela e favelados em parceria com a secretaria de cultura do estado (que contradição né. Ponto para a secretaria pois é a única que está enxergando a pluralidade do Complexo). Alguém soube desse evento? Alguém assistiu em alguma emissora de TV ou leu em algum jornal? Parece que a TV Brasil foi a única que esteve lá, quando lá é lá no mais alto do morro, no cume, no campo onde houve aquele estardalhaço na morte do Tim Lopes...

Grande abraço e muita paz,
***

5 comentários:

Marcelo Senna disse...

está aparecendo no blog? algum problema faz com que as novas postagens não apareçam...

Anônimo disse...

eu gostei do teu blog.
posso voltar mais vezes?
bjos.

Marcelo Senna disse...

sim, claro, volte quando quiser.

Anônimo disse...

voltei.
kd novos posts? rsrs.
bjs.

Marcelo Senna disse...

ah, às vezes eu demoro um pouco...